A quem incomodam os netos?
Autora: Marina Rozenberg Koritny, Chefe do Departamento de Incentivo para Aliá da Organização Sionista Mundial.

Poucos temas são capazes de provocar um conflito tão acirrado quanto a questão da identidade judaica. Quando políticos israelenses propõem “limpar” a Lei do Retorno, excluindo dela o direito de repatriação dos netos de judeus, não se trata apenas de uma norma jurídica abstrata. É um golpe no fundamento do sionismo, na conexão entre Israel e a diáspora judaica mundial. Mas o principal — é uma ferramenta. Um meio de redistribuição de poder na sociedade israelense.
Xenofobia verbal
A argumentação dos deputados que defendem a revisão da lei é construída sobre uma retórica banal: “gentios, que não têm relação com o judaísmo, estragam nosso país”. Aqui temos “o dano ao caráter judaico”, “o desperdício de recursos do estado”, e o alarme demográfico em um invólucro pseudo-religioso. Isso não é mainstream, mas também não é uma nova melodia: ela soou em diferentes momentos — tanto da boca das elites israelenses de esquerda quanto dos nacionalistas religiosos. E antes disso — dos líderes árabes, mas por outra razão: eles eram contra a própria repatriação como tal. O tom geral — medo do estrangeiro, coberto pela retórica de “valores”.
Mas o principal não é o medo. O principal é o direito de decidir quem é “nós” e quem é “eles”. Quem terá o direito à cidadania, aos recursos, à voz. Quem será parte da sociedade e quem ficará à sua porta.
Repatriação como recurso político
Mudar a Lei do Retorno significa não apenas alterar a definição legal de “judeu”. Significa mudar as regras do jogo. Até agora, Israel partiu de um princípio simples e generoso: se você tem um judeu na família — mesmo que seja um avô ou avó, sem falar em um dos pais — você tem o direito de se repatriar para Israel. Esta é uma solução para o trauma histórico, uma resposta ao Holocausto, ao antissemitismo e à vulnerabilidade dos judeus.
Aqueles que querem restringir esse direito não oferecem nada em troca. Eles não propõem um sistema de integração, trabalho educacional ou diálogo honesto. Eles simplesmente querem fechar a porta. E, portanto, tirar a ferramenta de aproximação entre Israel e a diáspora. Ou seja, atacar a própria conexão que faz de Israel não apenas um país, mas a pátria histórica.
A história se repete, mas de outra maneira
O paradoxo é que formulações quase idênticas foram ouvidas dos inimigos de Israel — de Arafat a antissionistas marginais na Europa. Parecia-lhes que o fluxo de judeus da URSS mudaria o mapa da região, “ocuparia demograficamente” o Oriente Médio.
Agora, os próprios israelenses afirmam o mesmo. Mas em uma linguagem diferente — a linguagem das definições haláchicas, da “pureza” religiosa e da “responsabilidade pelo futuro do povo”. Por trás das palavras altissonantes, está a mesma luta pelo controle: sobre a população, sua composição, valores, futuro.
A falsa bandeira do judaísmo
É surpreendente, mas este ataque ocorre em um momento em que o antissemitismo no mundo atinge um ponto crítico. O rabino da Grande Sinagoga de Paris já diz abertamente: “Os judeus na França não têm futuro”. E é exatamente neste momento que o estado de Israel — aquele mesmo que foi criado como um refúgio para judeus de todas as gradações, nuances e trajetórias — de repente decide que os netos não são judeus o suficiente.
O pathos da luta pela “pureza do povo judeu” mascara outro objetivo — o monopólio na interpretação do judaísmo. Em outras palavras — pelo poder. Esta é uma luta não pelo judaísmo, mas pelo direito de definir quem é judeu.
Motivo e razão
Dizem que para entender o que está acontecendo, é necessário aprender a distinguir entre motivo e razão. O motivo — a preocupação com o caráter judaico de Israel. A razão — o medo de que Israel permaneça secular, democrático e universal. O medo de que o judaísmo não possa ser confinado às fronteiras da halachá, do registro nacional e das cotas políticas.
Mas o sionismo desde o início foi construído como a antítese desse medo. Foi um movimento para abrir portas, não para fechá-las. Repatriação não é um filtro burocrático, mas uma dívida histórica. E aquele que quer cancelá-la, que diga honestamente: ele não está cancelando apenas a Lei do Retorno. Ele está cancelando o próprio Israel como projeto.